Imagina a cena… 2 anos atrás, você está na sua casa sentada na frente do computador, de repente bate aquela fome, se levanta e vai até a cozinha, abre a geladeira e justo agora acabou a margarina. Como comer o pãozinho da tarde assim? Bem, não tem escapatória, decide sair, tem uma vendinha perto da sua casa, o plano é ir comprar e voltar rápidinho porque ainda tem bastante trabalho para terminar.
Te soa familiar, algo corriqueiro, não?
Bem, agora temos um salto temporal, a data é 02 de abril de 2021. Acabou a margarina e agora? É só sair e comprar ou ficou mais complicado? Especialmente se você mora com pessoas em situação de risco como pessoas idosas ou alguém com histórico de problemas respiratórios, tem a máscara? Tem álcool em gel? Será que a vendinha está aberta?
O mundo muda constantemente e segue mudando, a cada segundo e minuto, as vezes são mudanças sutis mas nesse último ano a mudança foi mais drástica. Quantas vidas foram perdidas? Quantos empregos perdidos? Quantas pessoas passando fome? E a vida segue, ou a gente pelo menos tenta.
Nesse cenário atual, onde até o ensino da alfabetização está tendo que ser online, o CoolabCamp não foi diferente.
Durante os dias 2, 3 e 4 de abril acampamos em um território peculiar, numa terra digital chamada internet. De forma distribuída, pelo Brasil e pelo mundo, em torno de 30 pessoas se reuniram para compartilhar, debater, ensinar e ouvir sobre temas relacionados às redes comunitárias.
Procuramos usar ferramentas livres, de código aberto para o evento. Antes mesmo dele começar, criamos uma página na nossa wiki com exemplos de ferramentas que as pessoas poderiam usar durante os dias, para hospedar e facilitar as atividades A ideia era que cada pessoa que fosse a facilitadora da atividade tivesse a liberdade de escolher como fazê-la e esse poder também foi estendido ao grupo interessado no tema. O ponto era ter um evento no formato colaborativo.
A agenda foi definida no primeiro dia pelas pessoas presentes. Usamos o momento inicial para nos apresentar, dizer de onde viemos e contar as nossas expectativas relacionadas ao que gostaríamos de aprender e o que poderíamos compartilhar. Usamos um quadro branco chamado WBO como nosso mural de expectativas. Essa ferramenta foi hospedada na nossa infraestrutura, se tornando um combo de aprendizado, tanto no tema de como fazer o deploy como usá-la em grupo, para coletar os temas para a agenda. Funcionou.
Depois de expectativas coletadas, organizamos esses pontos em grupos de interesses e começamos a rabiscar a agenda usando um editor de texto online, o HedgeDoc. No final do primeiro dia, a agenda ficou pronta, com direito a passeio no mundo 2D do Laboratório Hacker de Campinas e galera se reunindo no Discord para trocar figurinhas e ouvir música.
Começamos o segundo dia com uma roda sobre auto-hospedagem, ou seja, serviços que são hospedados por pessoas, coletivos ou redes comunitárias, que podem ser usados por 1 ou mais pessoas. O papo seguiu com uma explicação sobre a instalação do Yunohost, uma opção rápida para quem quer hospedar os próprios serviços mas fugir da linha de comando. Paramos para um intervalo e logo a conversa seguiu na linha de certificados digitais e como o LetsEncrypt mudou a vida dos sites, removendo custos e aumentando a segurança. Depois disso, a rádio comunitária entrou no ar, com um debate sobre a necessidade de ocupar o espectro, onde a rádio é mais que um meio de comunicação, ela é uma ferramenta de resistência e que precisamos do pertencimento territorial para essa ter vida, além das diferenças entre a rádio e os materiais auditivos como podcasts. Seguimos com um papo sobre a implementação das redes comunitárias nos territórios, da apropriação do conhecimento pelas pessoas que ocupam essas áreas e como avançar em sua subsistência. A ideia era seguir com a parte “mão no computador”, com a instalação, mas como os papos fluíram, só tivemos tempo de fechar o dia com um resumo e quem ainda teve energia, seguiu conectada, seja no Jitsi que foi a plataforma mais durante o evento, seja no Discord, ouvindo musica ou conversando sobre os temas que foram levantados no dia.
Começamos o domingo com o foco na educação, com uma conversa sobre a diferença entre educação a distancia (EAD) versus pedagogia. As pessoas participantes compartilharam suas experiências em tempo de pandemia e quais os mecanismos e formas de continuar educando mesmo quando não se pode estar presente das educandas. Seguindo na linha da educação, abordamos o tema da etnomatemática e como a matemática não é algo centralizada, senão, algo ensinado de forma diferente em cada território e como o mêtodo de ensino que temos hoje em dia, especialmente no Brasil, acaba se referenciando em apenas um modelo, esquecendo dessa raiz diversa que essa matéria possui. Logo após o intervalo, seguimos com mão na massa, onde alguns companheiros nos mostraram como instalaram algumas ferramentas que podem ser usadas por redes comunitárias, como OpenVPN, Jitsi e o Kolibri. Depois conversamos sobre a importância da soberania de dados e como protocolos descentralizados P2P tem um grande papel nessa ação. Foi apresentado ferramentas como Mapeo, Manyverse e BeakerBrowser para ajudar na descentralização dos dados. O dia fechou com aquela roda de agradecimentos e depoimentos das pessoas participantes.
O CoolabCamp foi uma grande desculpa para reunir pessoas que já se conheciam mas não se viam fazia tempo, jogar aquele pózinho de energia em companheiras que dada a nossa situação social atual estavam se sentindo desmotivadas, fazer conexões entre pessoas que acreditam que o conhecimento tem que ser descentralizado e público, onde o compartilhar deve ser a base das nossas relações e que redes comunitárias, agora mais do que nunca, precisam de energia, gás e mãos, onde diferente de deixar uma infraestrutura instalada como uma prestação de serviço, ela precisa ser uma ferramenta apropriado pelas pessoas que ocupam o chão onde essa rede será instalada. Redes comunitárias são redes de pessoas que através de ferramentas, sejam elas computadores, roteadores, sinais de wifi ou FM, ocupam espaços que a elas lhes pertence e usam delas para a sua própria emancipação.