[Alerta de gatilho: vício e relações abusivas]
Quem diria, a Coolab como coletivo de pessoas entusiastas de “internet”, impulsionada pelas redes comunitárias, conectando pessoas através dessa rede mundial foi convidada a bloquear a internet!
O acesso à internet é um direito universal[1] assim como o direito a água ou alimento[2] (ter direito infelizmente não significa que todes tenham realmente acesso a isso, né?), enfim, trabalhando com redes comunitárias temos em vista o acesso como algo maior, além de Instagram e Youtube, acesso à própria cidadania como a ocupação desse território digital[3]. Também acreditamos que muitos dos serviços que consumimos na rede poderia ser fornecido localmente, como vídeos ou músicas, através de serviços locais. Tipo uma padaria do bairro, artesanato digital. Muita coisa não precisa estar disponível 24hrs/7dias da semana, poderia estar acessível durante o dia que é normalmente o horário em que as pessoas estão acordadas (claro que sempre existe exceção).
Bem, o que aconteceu foi que nos pediram ajuda, ajuda a lidar com algo que gera vício e quebra relações pessoais; ajuda com algo que ocupa nossos olhos e nossa mente ao ponto de não querermos comer, cuidar das crianças ou conversar com quem tá em volta; ajuda com algo novo e docemente contagiante.
Desde uma perspectiva popular e educativa, chegar na casa de alguém bloqueando o acesso dela da internet, ao meu ver, é invasivo e até de certa forma colonialista. Apesar que sinto que já estamos sendo colonizades devagarinho e com “a nossa permissão”, através das coisas que entram pelas nossas portas sensoriais, vindo desse equipamentozinho brilhante, dito: celular. Pra mim, a censura tampouco resolve. Faz com que as pessoas tenham mais vontade do proibido. Mas o que fazer quando as conversas não geram efeito? O que fazer quando você tenta convencer adolescentes a fazer outra coisa que não seja ficar vidrado na tela, ou até mesmo adultes? Não estamos imunes a isso, não tem vacina contra like e reals. Em alguns casos, conheci pessoas que são extremas, elas simplesmente tiram o roteador da tomada. Medidas drásticas para situações drásticas, mas o que fazer quando alguém ainda precisa usar a internet enquanto querem incentivar outres a fazer outra tarefa?
O conselho de líderes de 2 comunidades que nos convidaram entraram de acordo: essa internet é boa mas é perigosa, nos ajuda ao mesmo tempo nos consome. Aquela dualidade infinita e universal, remédio que é droga.
Porque, nessa era digital, quem anda consumindo quem né? Somos nós que consumimos ou somos consumides?
Só sei que esse grupo de líderes decidiu estancar o sangramento, pedindo para bloquear na raiz, não tirar da tomada mas pelo menos, regular. Moderar. Ou seja, moderando a tecnologia através da tecnologia.
Essa é uma medida temporária, assim como tudo na vida. Temporária até conseguir compreender melhor o que está acontecendo e juntar a comunidade para lidar toda junta com o problema. Sim, a internet é um problema assim como ela pode ser uma solução.
Uma pessoa da comunidade Guarani um dia me disse:
“A internet é pior que a TV. Ela introduz suavemente hábitos que não nos pertenciam, problemas que não existiam, conflitos que não eram nossos.”
Você pode estar se perguntando, mas qual o problema com ambas se elas trazem tanta coisa boa, tanta diversão e informação.
Como toda história, ela tem um ponto de vista. Você já se questionou qual o ponto de vista da pessoa que criou o material que você consome? Por que existem tantos comerciais de carros, comidas, bebidas, roteiros, estilos de vida? Essa é a nossa roda do consumo. A maioria do conteúdo que consumimos nos direciona a consumir, o que antes não era desejo agora é desejado. Além disso, tanto a TV quanto a internet apresentam formas de existir no mundo, formas que antes não participava do nosso imaginário, o que de certa forma pode ser bom, como uma profissão que você nunca imaginou existir ou o acesso a histórias de superação das relações abusivas (a gente pode estar vivendo em uma relação abusiva e nem nos dar conta disso, fica esperte). Ao mesmo tempo que ela pode te ensinar que você deve morrer de amor por alguém, literalmente. Ou que a outra pessoa deve morrer por isso.
Agora, imagina a cena: nós que moramos nesse mundo urbanizado e domesticado, que já somos bombardiades pela forma de existir no mundo hegemônico, desde uma perspectiva “europeizada” e influenciada pelos EUA. Onde existe um padrão do “viver bem”. A gente que tá sendo cozide nessa sopa a fogo brando, onde ficamos aqui no gostosinho sem nos dar conta que vamos virar caldo no final, seguimos vivendo como “sempre fosse assim” e vamos nos consumindo de remédios, problemas emocionais e físicos, onde de certa forma já adquirimos uma certa tolerância à essa forma de existir que nos consome.
E se essa forma de viver ou até mesmo a forma de se comunicar “ironicamente”, que não fazia parte da cosmovisão de outro grupo de pessoas, de repente cai no colo delus de uma hora pra outra, uma galera que não vivia assim e agora “deseja” viver assim porque assim que estão vendo como se vive. O que aconteceria com esse povo e seus costumes?
Você já observou como um bebê aprende? Esse serzinhe não vai a seminários, palestras ou cursos, este serzinhe aprende vendo, aprende imitando. Agora se veja, você aduelte, como aprende? Eu diria que na maioria dos casos, imitando. Eu aprendo assim. O que podemos fazer para se livrar disso é usar o nosso pensamento crítico e atenção para observar o que andamos imitando. Esse comportamento é realmente bom ou não pra nossa existência e do mundo?
Os próximos passos dessa guarita[4] é abrir espaço para o diálogo e que a gente (Coolab e todes seres) possamos conversar mais sobre o que consumimos e o que nos consome para assim não precisarmos mais de bloqueios.
1- Art. 4º do Marco Civil
2- Art. 25º da Declaraçao Universal dos Direitos Humanos
3- Territorios Digitales
4- Projeto Guarita